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05/12/2025

Estudo inédito detalha cancelamentos no Pará

E-book coordenado por Moema Locatelli Belluzzo analisou dados dos cartórios por meio de tecnologia digital

Foi lançado hoje o e-book Grilagem de Terras e o papel do Registro de Imóveis Brasileiro, produzido sob a coordenação da oficial e tabeliã Moema Locatelli Belluzzo e assinado por diferentes registradores de imóveis. O livro digial é uma publicação conjunta da ANOREG/BR e dos parceiros ONR, IRIB e RIB. 
 
O e-book reproduz os resultados de um profundo estudo realizado pelos Cartórios do Pará, por meio da ANOREG/PA, e de seu Instituto de Registro de Imóveis, o CRI/PA, a respeito de bloqueios e cancelamentos de matrículas de imóveis rurais naquele estado pela Corregedoria-Geral de Justiça do Pará, entre 2006 e 2010 (Provimentos n.º 13/2006 e n.º 02/2010). As decisões determinavam que fossem canceladas todas as matrículas tituladas sem autorização do Congresso Nacional que estivessem em desacordo com os limites de área.
 
Para reverter a situação, os supostos proprietários deveriam comprovar a legalidade da origem da terra, mediante apresentação de documentos válidos que demonstrassem aquisição legítima.
Segundo a coordenadora da publicação, o e-book não se limita a apresentar dados estatísticos do caso, mas busca também provocar um debate nacional sobre regularização fundiária, grilagem de terras e a atuação dos Cartórios e do Registro de Imóveis.
 
"O estudo também busca enfrentar narrativas simplificadoras, que muitas vezes são reproduzidas sem o devido aprofundamento técnico e acabam atribuindo ao Registro de Imóveis responsabilidades que, na verdade, se originam de falhas históricas de outras etapas da política fundiária. Nosso objetivo foi exatamente o contrário: trazer luz, método e dados para qualificar a discussão e mostrar o papel essencial dos Cartórios na segurança jurídica, na depuração das informações dominiais e no fortalecimento das políticas públicas", diz. 
 
Metodologia
Na análise, os autores recorreram à metodologia descritivo-explicativa, com base em dados primários dos c artórios, sistematizados por meio de ferramenta de integração e interconexão das serventias existentes no estado.
 
"Essa plataforma permitiu o cruzamento das informações das matrículas, especialmente daquelas que haviam passado por mudança de circunscrição, e isso exigiu um esforço conjunto, diário e muito responsável dos registradores. Sem essa participação massiva e comprometida, o levantamento simplesmente não seria possível", observa Moema.
 
A partir daí, o estudo reconstruiu as cadeias dominiais das matrículas bloqueadas e canceladas pelos provimentos do CGJ, permitindo identificar situações que inflavam artificialmente o número de supostas "áreas canceladas".
 
Divergência numérica entre os levantamentos
A análise revelou distorções importantes no estudo do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, divulgado em 2023. Enquanto o Imazon apontava 10.728 matrículas canceladas, o levantamento feito pelos Cartórios identificou 9.691 (até o final de 2024), ou seja, 1.037 matrículas a menos.
 
Achados sobre requalificação, erros e duplicidades
O estudo feito pelos registradores demonstra, ainda, que o bloqueio ou o cancelamento de uma matrícula não significa, por si só, que o imóvel é grilado. Entre os problemas encontrados: 
  • 1.191 matrículas já foram requalificadas (comprovaram sua regularidade); 
  • cerca de 700 foram canceladas incorretamente; 
  • 69 eram imóveis públicos cancelados indevidamente, o que soma cerca de 28.000 km² da área do estado; 
  • 15% estavam duplicadas devido a mudanças de jurisdição dos Cartórios; 
  • 13% não tinham mais área remanescente, pois o levantamento externo somou tanto a área original quanto as matrículas desmembradas, como se fossem todas áreas distintas. O resultado é uma contagem de área artificialmente ampliada, que não corresponde à realidade do registro.
Concentração territorial das matrículas
Outro dado relevante é a concentração territorial: embora 70 Cartórios tenham informado bloqueios, 60% de todas as matrículas estão concentradas em apenas cinco municípios, revelando que o problema é mais localizado. Esse fato reforça a necessidade de cautela na interpretação dos números e demonstra que o fenômeno fundiário no Pará deve ser analisado dentro de seu contexto histórico e territorial específico, sem generalizações.
 
Divergência na estimativa de área bloqueada ou cancelada
A diferença entre os levantamentos também aparece na extensão territorial. O estudo do Imazon sugeriu que 911.200 km² do Pará (quase 75% da área total do estado) estariam bloqueados ou cancelados, atribuindo a esse conjunto a presunção de grilagem. Já o levantamento dos Cartórios reduziu essa estimativa para 462.514,77 km², praticamente a metade. A divergência decorre, principalmente, da contagem repetida dos mesmos imóveis (que mudaram de Cartórios) e do uso de áreas originais desatualizadas, sem considerar desmembramentos e subdivisões acumuladas ao longo de décadas.
 
Cancelamentos indevidos e possibilidade de requalificação
O estudo revelou, ainda, casos de cancelamentos indevidos e situações plenamente passíveis de requalificação, ou seja, matrículas que podem comprovar sua regularidade. Esses dados demonstram que o bloqueio e o cancelamento são medidas de precaução e não diagnósticos automáticos de irregularidade, evidenciando que não é possível presumir grilagem apenas a partir desses atos. É necessária uma avaliação técnica individualizada, capaz de identificar onde há irregularidade efetiva e onde há títulos legítimos que devem ser restaurados. Em síntese: área cancelada nunca corresponde, automaticamente, à área grilada.
 
Origem histórica do passivo fundiário
O estudo evidencia que o problema fundiário não nasce no Registro de Imóveis, mas, muitas vezes, nos processos históricos de titulação realizados pelo Poder Executivo, em diferentes períodos, por diversos órgãos e sem integração territorial adequada. Títulos emitidos sem controle territorial, sem geolocalização, sem lastro documental suficiente ou sujeitos a sobreposições chegam aos Cartórios para registro. O Registro de Imóveis, ao formalizar a propriedade a partir do título recebido, atua como filtro jurídico capaz de bloquear, depurar, requalificar e corrigir irregularidades cuja origem é anterior ao ato de registro. Ignorar essa cadeia e atribuir ao Cartório a responsabilidade total pela desordem fundiária é tecnicamente equivocado e historicamente impreciso.
 
Complexidade da grilagem e necessidade de análise técnica
A pesquisa demonstra, também, que a grilagem é um fenômeno nacional, complexo e multifatorial, que não pode ser atribuído de forma genérica a uma única instituição ou etapa administrativa. No caso do Pará, a falta de análise técnica levou à ideia de que toda matrícula cancelada seria grilagem. O levantamento mostra que é preciso separar o joio do trigo, distinguindo matrículas realmente irregulares daquelas marcadas por duplicidades, erros materiais, cancelamentos indevidos ou falhas históricas de titulação. A responsabilização, quando existente, deve recair proporcionalmente sobre os agentes que efetivamente causaram as irregularidades, a partir de análise técnica caso a caso, evitando generalizações que distorcem o problema. A partir do caso do Pará, o estudo ressalta a necessidade de integração entre órgãos fundiários, Cartórios, Judiciário e políticas públicas de regularização em todo o país.
 

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