06/08/2024
Confira o artigo escrito pelo registrador Gustavo Faria Pereira
Primeiramente, pode-se considerar um erro crasso - no entanto, compreensível - dizer que a regularização fundiária urbana, à luz da Lei nº 13.465/17, reduziu esse procedimento tão caro ao desenvolvimento dos municípios à adequação jurídica do assentamento urbano irregular (conceito-base da Lei nº 11.977/09) ou do núcleo urbano informal (conceito jurídico dado pela Lei nº 13.465/17), ou seja, à titulação definitiva dos beneficiários. Para compreendermos, portanto, o que significa "passar por uma regularização fundiária urbana", devemos nos ater a três questões: 1) A quem interessa a REURB; 2) No que consiste, efetivamente, a REURB; 3) Após uma bela e emocionante cerimônia de entrega de títulos de legitimação aos beneficiários de um núcleo urbano informal, o prefeito municipal, o registrador e o próprio beneficiário voltam para suas casas e se perguntam: e agora? O que virá pela frente?
A revogação do dispositivo da Lei nº 11.977/09, que determinava que a REURB consistia em um procedimento que envolve medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais, dentre outras, no sentido de inserir no contexto da urbe o assentamento irregular ou o núcleo urbano informal, fez o intérprete equivocado concluir que o foco se resume a situação tabular. Concluir dessa forma é o mesmo que dizer que a REURB beneficia, "tout court", ao beneficiário final de forma direta e ao registrador de imóveis, de forma indireta. Um pensamento reducionista deixa de enxergar o aspecto holístico do procedimento, que envolve desde a questão ambiental até a questão social, que não se reduz ao trabalho do assistente social de analisar o enquadramento para fins de "REURB-S" ou REURB-E. Por isso que são tão importantes nesse trabalho a atuação de uma equipe multidisciplinar e a elaboração de bons projetos urbanísticos (embora a lei dispense os projetos urbanísticos, como no caso da REURB inominada). Lembre-se: a REURB deve ser como um jogo em que toda a urbe ganha, seja com uma cidade melhor, com mais serviços públicos, seja com a valorização imobiliária (e a possibilidade de inserir o imóvel irregular no mercado financeiro) ou, ainda, com outros benefícios a longo prazo. Parafraseando Samuel Rosa: "se o Brasil não for para cada um, pode ser certo, não vai ser para nenhum".
Com vênias ao leitor - e com risco de cair na vala do anacoluto -, peço a cada um que faça o seguinte exercício imaginário: na situação proposta na pergunta 3, existem três personagens: Vladmir, prefeito municipal; 2) Hermes, registrador de imóveis; e 3) Hiram, beneficiário de legitimação fundiária no setor "J e B" no município de Moabon.
Vladmir, eufórico, após a entrega de mais de 500 títulos no núcleo urbano acima referido, já comemora antecipadamente sua reeleição. O seu assistente, Dmitri, o adverte que ainda existem muitas coisas a fazer, de acordo com o termo de compromisso constante do Projeto de Regularização Fundiária, como a inserção de equipamentos públicos de drenagem de águas pluviais. Seu ?brilho? sumiu, logo após tal advertência.
Hermes, por sua vez, retorna exausto a sua casa após o "mutirão registral", no qual realizou os mais de "500 R" (sem contar a averbação da demarcação urbanística na "matrícula avó" e a abertura da "matrícula mãe" da gleba a ser devidamente parcelada) junto com seu substituto Achilles e seu estagiário Heitor. Após abrir uma geladíssima cerveja retirada de seu freezer, pensou: "e agora?" Será que esses títulos se manterão sob o "radar registral" ou retornarão à irregularidade após a primeira transação? Foi REURB-S, será que o Fundo de Atos Gratuitos vai me ressarcir logo?
Esquecemos de falar de Hiram, o pobre beneficiário (e nesse caso, a ordem dos fatores não altera o produto). Com uma via do seu título de legitimação devidamente registrado com a etiqueta do "Cartório Hermes", poucas horas após chegar em casa, foi surpreendido por um temporal, que trouxe consequências: uma falha no "gato de luz" deixou o núcleo urbano (agora formalizado) objeto da REURB sem energia e a inundação decorrente da falta de escoamento arrancou o asfalto que ainda tinha, além de ter ocorrido uma tragédia no setor acima referido: a última casa situada na localidade, de (reconhecida recentemente) propriedade de dona Clotilde e senhor Cipriano, acabou desabando por estar em um barranco. O pior só não ocorreu em razão do casal estar na cerimônia de entrega dos títulos no momento do desastre.
A presente história, portanto, demonstra o verdadeiro day after da REURB, qual seja: 1) Quando não realizada de forma holística, o instituto não atinge suas devidas potencialidades; 2) Não se finda na entrega de títulos e registro, mas, sim, marca o primeiro dia do Poder Público no Núcleo Urbano.
Artigo escrito por: Gustavo Faria Pereira.
Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos/Pessoa Jurídica e Civil das Pessoas Naturais na Comarca de Silvânia - GO. Doutorando em Direito Constitucional pelo IDP. Pós-Graduado em Direito Público, bacharel em Direito pelo IESB, bacharel em Ciências Contábeis pela UnB. Foi procurador da Fazenda Nacional (PGFN), analista Judiciário na Justiça Eleitoral (TSE) e analista Processual no Ministério Público da União (PGR), além de ser suplente no Conselho Fiscal do IRIB para o Estado de Goiás.
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